O modo pelo qual o uso de inteligênciaartificial em governo eletrônico está sendo implementado no Brasil tem promovido franco estreitamento dos canais sociais de participação. Narrativas em circulação em torno desse tema apresentam notória ausência de mecanismos de governança colegiada e de representação civil. Essa ausência é contundente no marco regulatório e institucional sendo implementado, agouro preocupante de que um futuro similar possa estar reservado para demais países “em desenvolvimento” como prenúncio de uma estratégia colonizante (Gartzke & Rohner,2010).
A Lei 14.129[1], publicada a pouco mais de um ano, que regula o governo eletrônico noBrasil, regra que é da sua competência “VII - realizar a gestão das suas políticas públicas com base em dados e em evidências por meio da aplicação de inteligência de dados em plataforma digital”.
Contudo, o parágrafo 2º escreve, “Serão assegurados às instituições científicas, tecnológicas e de inovação o acesso às redes de conhecimento e o estabelecimento de canal de comunicação permanente com o órgão federal a quem couber a coordenação das atividades previstas neste artigo”. Destaca-se aqui que o termo “a quem couber” designa indeterminação de mecanismo de accountability e ausência conselho ouórgão representativo colegiado previsto para tal.
Ogoverno brasileiro publicou recentemente por meio do Governo Federal um “Guia da Política de Governança Publica”. [2] Esse guia,recomenda que o controle social das políticas publicas seja transferido às ouvidorias (pg 51), não fazendo quaisquer menções aos conselhos de políticas públicas existentes no país. Tampouco recomenda a implementação de órgão representativo colegiado como meio de controle social externo.
Ciclo contínuo, em 2022, a OCDE publicou um white paper denominado “EstratégiaLatino-Americana Para o Uso de Inteligência Artificial Nas Políticas Públicas” [3] onde, novamente, não há menção ou recomendação de implementação de qualquer mecanismo de controle social ou de órgão representativo colegiado.
Por fim, a lei 13.460[4],que dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos, releva à discrição do ouvidor e ao órgão público a possibilidade e faculdade de eventual constituição qualquer mecanismo decontrole social externo, seja ele colegiado ou não, cuja composição também é de arbítrio do ouvidor encarregado.
Todos esses referenciais jurídico-normativos posicionam o ouvidor (burocracia de Estado) como a única autoridade responsável pela mediação entre a sociedade civil e os serviços públicos, no que toca ao governo digital, lhe conferindo autoridade moral absoluta. Não é preciso dizer que esse quadro caracteriza um estreitamento dos canais de participação e demonstra um avanço de uma narrativa iliberal nos critérios de governança democrática sendo adotados no uso de governo eletrônico no Brasil.
Tampouco é preciso dizer a importância dopapel de colegiados na construção de narrativas dotadas de representatividade histórica e social, e por consequência moral crítica, e por essa razão, a extrema relevância dos conselhos de políticas publicas na história da democracia brasileira e internacional (LaValle apud Mezarobba, 2020).
Para citar esse artigo:
Leirner, A. O uso de Inteligência Artificial em governo eletrônico e participação no Brasil hoje. RBDC.ORG.BR - Nota Técnica 001/22. Julho 2022.
[1] Acessado em16/6/2022 no site http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14129.htm
[2] Acessado em16/6/2022 no site https://www.gov.br/casacivil/pt-br/centrais-de-conteudo/downloads/guia-da-politica-de-governanca-publica
[3] Acessado em16/6/2022 no site https://www.oecd-ilibrary.org/governance/the-strategic-and-responsible-use-of-artificial-intelligence-in-the-public-sector-of-latin-america-and-the-caribbean_1f334543-en
[4] Acessado em16/6/2022 no site https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19141395/do1-2017-06-27-lei-no-13-460-de-26-de-junho-de-2017-19141216
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